terça-feira, 15 de novembro de 2011

Os Saberes e o trabalho do professor formador num contexto de mudanças

Mestranda Taciane Cristina Santana
Mestrado em Educação – UNIUBE


Autoras:Marli Eliza Dalmazo Afonso de André – PUC – SP
Laurizete Ferragut Passos – UNESP e PUC – SP
Márcia de Souza Hobold – UNIVILLE
Neusa Banhara Ambroseti – UNITAU
Patrícia Cristina Albieri de Almeida – UNICAMP
(artigo apresentado na Anped 2010)

           O objeto de estudo do presente artigo refere-se aos saberes e o trabalho docente do professor dos cursos de licenciatura de quatro universidades da região Sul e Sudeste, num contexto de reformas educativas e de mudanças no mundo contemporâneo.

            O objetivo geral do estudo foi conhecer o perfil do docente formador dos cursos de licenciatura, conhecer o trabalho docente e quais as condições de que dispõe para desenvolver esse trabalho.

            Enquanto metodologia trata-se de uma pesquisa qualitativa, com delineamento de quatro estudos de caso: quatro universidades (uma pública, uma privada e duas comunitárias) escolhidas a partir da possibilidade de acesso aos dados necessários e que oferecessem cursos de licenciatura.

            Para atingir os objetivos da pesquisa foram realizadas entrevistas (53 professores das disciplinas específicas ou pedagógicas), análise documental (análise dos projetos político pedagógico das instituições e entrevistas com os docentes diretamente envolvidos na elaboração ou implementação desses projetos) e também observações. Procurou-se entrevistar pelo menos 30% dos docentes que atuavam na licenciatura de cada instituição, contemplando, quando possível, docentes com formação em diversas áreas de conhecimento.

            As autoras realizam uma contextualização das instituições e a caracterização das mesmas, em seguida descrevem o perfil dos docentes da pesquisa e o que eles dizem sobre seus saberes e por fim caracterizam de acordo com a coleta de dados as condições de trabalho nas instituições pesquisadas.  

         Em suma, o texto retrata as mudanças de identidade (valores, saberes, comportamentos), que constituem referências essenciais no trabalho dos formadores, diante das transformações na sociedade contemporânea. As autoras ainda colocam que “as contradições entre as concepções de formação construídas em sua trajetória profissional e as condições concretas de exercício da docência nas instituições formadoras, afeta a identidade profissional dos docentes, gerando insatisfação e desconforto pelo não cumprimento de seu mandato de formador”. Diante dessas afirmações as autoras concluem que “estamos diante de uma crise das identidades dos formadores, que se articula a uma crise nos modelos de formação dos professores”.

         As autoras utilizam como referencial teórico Tardif (2002) para fundamentar suas análises. De acordo com o autor “o saber do professor é plural, compósito, heterogêneo, porque envolve, no próprio exercício do trabalho, conhecimentos e um saber-fazer bastante diversos, provenientes de fontes variadas, e provavelmente, de natureza diferente”. O autor ainda coloca que “o saber do professor é profundamente social e é, ao mesmo tempo, o saber dos atores individuais que o possuem e o incorporam à sua prática profissional, para a ela adaptá-lo e tranformá-lo”. E ainda “que o saber do professor está sempre ligado a uma situação de trabalho com outros (alunos, colegas, pais, etc.), um saber ancorado numa tarefa complexa (ensinar), situado num espaço de trabalho (a sala de aula, a escola), enraizado numa instituição e numa sociedade”.

            Diante dessas afirmações as autoras justificam a necessidade de levar em conta múltiplas dimensões quando se retrata o tema saberes docentes.


segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Pesquisa sobre o saber prático dos professores:perspectivas e limites dos autoestudos


aluna: Karla de Almeida Borges 

 Artigo:
Pesquisa sobre o saber prático dos professores: Perspectivas e limites dos autoestudos
Maria Ines Marcondes - PUC Rio
a) 0bjeto  de estudo -
O  texto apresenta a idéia de que a pesquisa educacional deve levar em conta o saber prático dos professores pois esse saber pode oferecer base para a produção de conhecimento científico.
 Na primeira parte do texto a autora discute  as perspectivas e limites das pesquisas denominadas “auto-estudos”. Na segunda parte, a autora apresenta a partir de dados de uma entrevista, realizada com Ivor Goodson, defendo a idéia de que a metodologia de história de vida permite levar adiante o auto estudo partindo da relação do professor com seu contexto histórico,  político e social, mostrando que os desafios que ele enfrenta na sua experiência cotidiana têm uma dimensão mais ampla e que para atuar de forma mais crítica e transformadora sua reflexão e sua análise devem dar conta dessa dimensão.


b) O problema de  pesquisa.
Diante do fato que a pesquisa educacional deve levar em conta o saber prático dos professores, a autora apresenta pesquisas do tipo auto-investigação para discutir possibilidades e limites de sua utilização .
c) Os objetivos:
-Defender a ideia de que a  pesquisa educacional deve levar em conta o saber prático dos professores pois esse saber pode oferecer base para a produção de conhecimento científico.
-Difundir as pesquisas de auto-estudo,auto investigação   ou self-study. Que são muito usadas nos Estados Unidos  e Inglaterra.
-Mostrar o método de história de vida como meio de investigação das práticas dos professores.
 
d) A metodologia :
Análise  de levantamentos de dados bibliográficos relacionados a :
 -pesquisa em ação,
-o movimento do professor pesquisador em suas origens ,
-o movimento contemporâneo do professor pesquisador,
-a pesquisa chamada auto-investigação ou auto-estudo ,
- e metodologia de história de vida   
e) O referencial teórico :
A autora utilizou como uma das referencia os estudos de Schon  sobre reflexão sobre a prática.  Segundo a autora a auto-investigação, tratada no texto, pode ser considerada uma extensão da reflexão sobre a prática. Essa relação é justificada porque, o texto afirma que  a reflexão é um dos importantes elementos da auto-investigação.Também é utilizado como embasamento a entrevista com Ivo Gloodson sobre o método de história de vida. Também considerado como importante elemento na reflexibilidade da auto-investigação.
f)  Os resultados :
A autora acredita que  através do auto-estudo o professor pode refletir sobre suas práticas e compartilhar com seus colegas os aspectos desafiadores dessa experiência. A reflexão  permite rever sua forma de atuação e superar os desafios. A metodologia de história de vida permite que o professor considere e valorize seu contexto   histórico, político e social. O auto-estudo permite manter –se em sala de aula a aplicação de práticas transformadoras  através da valorização do saber prático do professor como ponto de partida.

Resumo :
A autora Maria Inês Marcondes  defende no seu texto a importância do saber prático dos professores  considerando que esse saber pode oferecer base para a produção de conhecimento científico. A autora fala sobre a importância e o valor das pesquisas determinadas auto-estudos e da metodologia  de história de vida  nesse processo. A pesquisa  do auto-estudo tem como base o conhecimento prático do professor. Para tanto a autora registra que o pesquisador (professor) deve manter o equilíbrio entre biografia e história. Nesse paralelo tem que se considerar  que a teoria pública é utilizada para prover  “insights” na vivência privada. E nessa vida privada do professor é  que surgem a base das pesquisas do auto-estudo.  O método de narrativas de  histórias de vida também é usado nesse processo pois faz a conexão entre a experiência de vida dos professores e suas  práticas .
Marcondes pondera que a auto-investigação é uma extensão da reflexão sobre a  prática, processo que conduz a geração de um novo conhecimento. Este tipo de pesquisa tem como base a experiência diferentemente da pesquisa com objetivos acadêmicos. Nesse ponto surgem algumas  dúvidas quanto a validação dessa pesquisa. Um dos maiores questionamentos                                                                                                                                                                                                                                                                                                              gira em torno do grau de confiabilidade                                                                    na pesquisa dos práticos. Qual  o critério  que deveria ser usado ser usado para distinguir o bom trabalho do trabalho de menor qualidade? Como se diferenciar o que  é pesquisa   ou o que é apenas  uma reflexão?Quais os critérios de avaliação diferentes do padrão dos estudos acadêmicos convencionais?
 Para minimizar as dúvidas quanto a credibilidade do auto-estudo, a autora reproduz um estudo de Feldman que dá alguns direcionamentos sobre esse assunto. São eles:
1º- Apresentar a descrição dos dados e o que são “dados”.
2º- Como foi construída a interpretação dos dados   
3º-Contar com múltiplas fontes de dados
4º- Registrar como a mudança proposta no estudo pode agregar valor ao trabalho de formador de professor.     
Para finalizar,Maria Inês Marcondes  destaca a metodologia  do auto-estudo e da história de vida destacando categorias centrais como: self e reflexividade, contexto,compromisso com a justiça social/transformação,colaboração .
 a)self e reflexividade:  Segundo Goodson deve-se ampliar e aprofundar a concepção de self de uma visão singular, unitária,linear de um self narrativo para uma concepção múltiplia e mais fluida.
b) Contexto:  Esse item dá  a devida importância da interação de uma experiência do professor, auto –estudo, com o contexto em que ele vivenciou a situação.  As informações contextuais são importantes para que se tenha                                                                                                                                          uma visão mais profunda dos dados pesquisados.
 c)     Compromisso com a justiça social: Tanto a história de vida quanto o auto-estudo salienta o comprometimento com a contribuição  para a justiça social. Nessa ponto é possível compreender   as relações  entre as questões investigadas e as mudanças sociais.        
d) Colaboração:A categoria colaboração diz respeito a interação que é feita pelo pesquisador com outras pessoas. No método de  história de vida                  esse “personagem” é chamado de amigo crítico, enquanto que no auto estudo  
 é o compromisso de checar e interpretar os dados.Embora a princípio possa parecer incoerente  o auto-estudo considerar a influência de outras pessoas, essa interferência é fundamental, na opinião da autora, para conferir validade aos dados levantados.   Marcondes conclui que a metodologia do auto-estudo é muito importante para aprofundar o sentido e a consciência de sua experiência profissional. Um de seus desafio é superar limitação  do enfoque individual e frequentemente uma abordagem  psicológica.É nesse ponto que a metodologia da história de vida  confere validade ao auto-estudo  referendando o saber prático como ponto de partida.                                                 

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Os Saberes e o trabalho do professor formador num contexto de mudanças

MESTRANDA: TACIANE CRISTINA SANTANA

OS SABERES E O TRABALHO DO PROFESSOR FORMADOR NUM CONTEXTO
DE MUDANÇAS

Marli Eliza Dalmazo Afonso de
André – PUC-SP
Laurizete Ferragut
Passos – UNESP E PUC-SP
Márcia de Souza
Hobold – UNIVILLE
Neusa Banhara
Ambrosetti – UNITAU
Patrícia Cristina Albieri de
Almeida – UNICAMP

Introdução

Esse texto discute dados de uma pesquisa que focaliza o trabalho docente do

professor dos cursos de licenciatura num contexto de reformas educativas e de

mudanças no mundo contemporâneo. Dois grandes questionamentos orientaram a

pesquisa: Quem é o professor formador? Em que condições tem exercido seu papel de

formador?

Conhecer mais de perto quem é esse docente e quais as condições de que dispõe

para desenvolver seu trabalho, parece-nos essencial, pois como afirma Imbernón (2002,

p.60) a formação inicial deve “dotar o futuro professor ou professora de uma bagagem

sólida nos âmbitos científicos, cultural, contextual, psicopedagógico e pessoal, deve

capacitá-lo a assumir a tarefa educativa em toda sua complexidade.”, o que vai exigir

uma atuação competente e rigorosa por parte do formador. Imbernón chama a atenção

para os vários aspectos que devem fazer parte de um currículo de formação e destaca

entre esses a importância da metodologia ou da postura do formador, pois segundo ele

“[...] os modelos com os quais o futuro professor ou professora aprende perpetuam-se

com o exercício de sua profissão docente já que esses modelos se convertem, até de

maneira involuntária, em pauta de sua atuação” (p. 63). Com essas palavras, ele nos

lembra que a atenção dos formadores não pode estar voltada apenas para os conteúdos

ou para os conhecimentos profissionais, mas deve haver um cuidado especial com as

práticas – ou a metodologia- de formação, já que estas podem servir como modelo para

o exercício docente futuro.

Os estudos sobre o trabalho do professor formador tornam-se ainda mais

centrais, ao considerarmos que as reformas educativas reclamam uma redefinição da

profissão docente e, conseqüentemente, dos modelos formativos. Espera-se muito dos

cursos de formação inicial e, conseqüentemente, dos professores formadores.

Se a formação inicial é um momento decisivo porque fornece as bases do

conhecimento profissional (que envolve uma pluralidade de saberes, um repertório de

atitudes, um conjunto de sentimentos e valores em relação à docência), se é o momento

em que se constróem esquemas, imagens, metáforas sobre a educação, torna-se

relevante investigar quem é o profissional responsável por essa tarefa e em que

condições realiza seu trabalho.

O interesse em conhecer o trabalho docente do professor dos cursos de

licenciatura conduz à discussão dos saberes, habilidades e disposições necessárias para

exercer o papel de formador. Recorremos aos escritos de Tardif (2002) para

fundamentar nossas análises. De acordo com o autor, o saber dos professores é plural,

compósito, heterogêneo, porque envolve, no próprio exercício do trabalho,

conhecimentos e um saber-fazer bastante diversos, provenientes de fontes variadas e,

provavelmente, de natureza diferente. É impossível compreender a natureza do saber

dos professores, diz o autor,
sem colocá-lo em íntima relação com o que os

professores, nos espaços de trabalho cotidiano, são, fazem, pensam e dizem” (Tardif,

2002, p.18).

O autor também argumenta que “o saber dos professores é profundamente social

e é, ao mesmo tempo, o saber dos atores individuais que o possuem e o incorporam à

sua prática profissional, para a ela adaptá-lo e transformá-lo” (Tardif, 2002, p.15). Ele

explica o que entende por caráter social do saber, ou seja: “relação e interação entre Ego

e Alter, relação entre mim e os outros, repercutindo em mim, relação com os outros em

relação a mim, e também relação de mim para comigo, mesmo quando essa relação é

presença do outro em mim mesmo” ( p. 15). E conclui que o saber do professor está

“sempre ligado a uma situação de trabalho com outros (alunos, colegas, pais, etc.), um

saber ancorado numa tarefa complexa (ensinar), situado num espaço de trabalho (a sala

de aula, a escola), enraizado numa instituição e numa sociedade” (p.15). Essas palavras

deixam explícito que os estudos que focalizam os saberes docentes devem levar em

conta essas múltiplas dimensões. Especial atenção deve ser dada aos contextos em que o

professor atua, como enfatiza o autor:

[...] os saberes do professor dependem intimamente das condições sociais e

históricas nas quais ele exerce seu ofício, e mais concretamente das

condições que estruturam seu próprio trabalho num lugar social determinado.

Nesse sentido, para nós, a questão dos saberes está intimamente ligada à

questão do trabalho docente no ambiente escolar, à sua organização, à sua

diferenciação, à sua especialização, aos condicionantes objetivos e subjetivos

com os quais os professores têm que lidar etc. Ela também está ligada a todo

o contexto social no qual a profissão docente está inserida e que determina,

de diversas maneiras, os saberes exigidos e adquiridos no exercício da

profissão (TARDIF, 2002, p.217-218).

As palavras de Tardif nos incentivaram a investigar os saberes dos formadores

em estreita conexão com as condições de trabalho disponíveis na instituição, sem

esquecer dos condicionantes objetivos e subjetivos com os quais eles têm que lidar.

Caminho metodológico da pesquisa

Na perspectiva das abordagens qualitativas de pesquisa, decidiu-se pelo

delineamento de quatro estudos de caso, que nos permitem conhecer uma instância em

particular, levando em conta seu contexto e sua complexidade. O contexto, nesta

pesquisa refere-se à cultura institucional, ou seja, as ações, as linguagens e outras

formas de comunicação de um grupo de sujeitos que estão envolvidos no processo de

formação, assim como as normas que os regem e as formas de organização do seu

trabalho.

Um dos critérios para escolha dos casos foi contemplar diferentes tipos de

instituição que oferecessem cursos de licenciatura; outro critério foi a possibilidade de

acesso aos dados. Assim, foram escolhidas uma instituição pública, uma privada e duas

comunitárias, localizadas nas regiões Sudeste e Sul do país.

Estabelecidos os contatos iniciais nessas instituições deu-se prioridade ao uso de

entrevistas e à análise documental, mas foram também realizadas observações. Como

nos ensina Stake (1995), a entrevista é a melhor forma de investigar os significados

atribuídos pelos sujeitos a uma dada situação. Os entrevistados foram 53 professores
1

das disciplinas específicas ou pedagógicas. Procurou-se entrevistar pelo menos 30% dos

docentes que atuavam na licenciatura de cada instituição, contemplando, quando

possível, docentes com formação em diferentes áreas de conhecimento.

Para a realização das entrevistas foi elaborado um roteiro, baseado nas questões

e objetivos da pesquisa, o qual foi utilizado em entrevistas piloto com formadores que

não faziam parte do grupo de sujeitos. Essa testagem foi fundamental para aprimorar o

instrumento de pesquisa
. As entrevistas, marcadas com antecedência tiveram a duração

aproximada de uma hora e meia e foram gravadas, com autorização dos depoentes.

Após a transcrição, algumas foram devolvidas aos formadores para confirmação ou

correção dos dados.

Para investigar a relação entre os contextos institucionais e a atuação dos

formadores, foram analisados os projetos político pedagógicos das instituições e

1
Para preservar a identidade dos professores os nomes são fictícios.

realizadas entrevistas com docentes diretamente envolvidos na elaboração ou

implementação desses projetos.

É possível como afirma Stake (1995, p. 68), que o documento possa substituir o

registro de um evento que o pesquisador não pôde observar diretamente. Documentos

são muito úteis nos estudos de caso porque complementam informações obtidas por

outras fontes e fornecem base para triangulação dos dados.

1. Os contextos institucionais: de qual contexto se fala?

O olhar para o contexto institucional revela que há muitos fatores a serem

considerados: por um lado, o lugar incontestável que o ensino supe
rior ocupa hoje no

cenário político e econômico e por outro, a importância que a educação ganhou no

mundo globalizado, uma vez que a exigência de conhecimento e informação, embora

pautada por necessidades competitivas, apresenta-se ampliada. A interferência da lógica

econômica determinando as prioridades do conhecimento científico e tecnológico,

incluído aquele distribuído pela escola (Correia e Matos, 1999; Kuenzer, 1999; Cunha,

2005) revela um cenário de atendimento às necessidades do mercado.

Há que se levar em conta ainda as reformas educativas implantadas em vários

países, dos anos 1990 para cá, que situam no professor e nos cursos de formação

docente enormes expectativas quanto a melhoria da qualidade da educação escolar.

No Brasil, a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

em 1996 fez surgir várias políticas públicas que incidiram sobre a formação e o trabalho

do professor. Com o Decreto 3276 de 06/12/1999, que dispõe sobre a formação em

nível superior dos professores para atuar na educação básica e amplia as instâncias

formativas com a criação do Curso Normal Superior e dos Institutos Superiores de

Educação, instalou-se no país um intenso debate a respeito dos cursos de formação

inicial. Os questionamentos giraram em torno dos espaços formativos, das modalidades

de curso, da organização curricular e das estratégias didáticas que seriam mais

adequadas para responder às novas demandas e necessidades.

1.1 Caracterização das Instituições

Tendo como referência o cenário mais amplo das reformas educativas e das

mudanças no mundo contemporâneo, que delimitam as ações, relações, os

comportamentos, as formas de comunicação e de gestão que configuram os contextos

institucionais, faz-se uma breve caracterização dos casos investigados.

As duas instituições denominadas comunitárias (A e B) são universidades

tradicionais e conceituadas na região em que estão inseridas. Uma localiza-se no interior

da região Sudeste e a outra no interior da região Sul. São universidades de grande porte

que oferecem cursos de graduação e pós-graduação em diferentes áreas do

conhecimento. Apesar de essas instituições terem uma organização institucional

semelhante a uma universidade pública, grande parte dos recursos financeiros são

provenientes da mensalidade dos alunos. Nas duas instituições há professores de

carreira, porém as formas de ingresso e as condições de trabalho têm características

próprias.

Na instituição pública (C) foi escolhida a faculdade de educação que atende a

quase 5 mil alunos de licenciatura, assim como cerca de 890 alunos do curso de

Pedagogia. Dos três departamentos da faculdade foi selecionado aquele que conta com

docentes de áreas específicas, mas são responsáveis pelas metodologias de ensino.

Todos os docentes da faculdade são doutores, ingressaram pela via do concurso público

e têm as prerrogativas do funcionalismo público.

A instituição privada (D) é uma faculdade isolada e está localizada num bairro

industrial de uma cidade do interior da região Sudeste do país. Oferece nove cursos de

graduação dos quais cinco são exclusivamente de licenciatura e também curso de

especialização em Educação Matemática. Os dados coletados nesta instituição referemse

apenas aos professores do curso de matemática.

1.2 Os Professores Formadores: quem são?

Na instituição “A” foram entrevistados dez professores formadores que atuam nos

cursos de licenciatura dos departamentos de Letras (cinco), História (quatro) e Biologia

(um). Do total de entrevistados quatro são doutores, cinco têm mestrado e apenas uma

professora tem o curso de especialização. Com exceção de uma formadora que

ingressou diretamente como professora do curso de licenciatura, os demais formadores

atuaram na educação básica e apenas uma continua trabalhando com estudantes dos

anos finais do ensino fundamental, na rede estadual de ensino. Apesar de esses

professores serem efetivos não há garantia de jornada de trabalho. A carga horária é

distribuída entre aulas e outras atividades; horas de pesquisa dependem de projetos

aprovados anualmente; a participação em congressos e cursos não é financiada (ou é

apenas parcialmente).

Na instituição “B” o corpo docente é constituído por professores de carreira,

professores temporários e auxiliares docentes. Os professores de carreira ingressam por

meio de concurso público de títulos e provas para provimento do cargo de professor

assistente em caráter efetivo para o cumprimento de atividades acadêmicas com carga

horária semanal entre o mínimo de 8 (oito) horas e o máximo de 40 (quarenta) horas. Os

professores temporários e os auxiliares docentes ingressam por meio de processo

seletivo e a admissão é efetivada sob o regime jurídico da Consolidação das Leis do

Trabalho-CLT.

Dos quatorze professores entrevistados oito são doutores, cinco são mestres e

apenas um é especialista. Esses professores atuam nos cursos de Letras, Pedagogia e

Educação Física. Do total de professores entrevistados apenas dois não têm experiência

no ensino fundamental e médio. Os demais atuaram na educação básica por mais de dez

anos. Cinco professores também relataram que exerceram funções na área da gestão

escolar: direção, coordenação e/ou supervisão.

A maioria dos entrevistados tem uma extensa trajetória no ensino superior. Seis

professores têm entre dezesseis e vinte e dois anos de experiência como formadores.

Seis professores têm entre dez e quinze anos de experiência e apenas um formador atua

há pouco menos de dez anos como docente em cursos de licenciatura.

A condição de vínculo dos professores é de horista, mesmo para os de carreira.

Esses profissionais se dedicam quase que exclusivamente ao ensino e, em alguns poucos

casos, a atividades de pesquisa e extensão. Dois professores atuam na condição de

auxiliar docente.

Todos os docentes da Instituição “C” são doutores, atuam concomitantemente na

pós-graduação e na licenciatura e têm grande produção científica. Entre os

entrevistados, apenas um ingressou na Faculdade há cerca de três anos. Os demais estão

há mais tempo: sete ingressaram há menos de 10 anos, quatro, entre 11 e 15 anos e

quatro há mais de 20 anos. Esses dados sugerem que esse grupo de docentes, bastante

estável, já que 50% atua há mais de 10 anos na Faculdade, teve tempo suficiente para

impregnar-se na cultura institucional.

Todos os entrevistados enfatizaram sua experiência de ensino na escola básica

como um fator importante na docência dos cursos de licenciatura, porque favorece a

articulação teoria-prática. Todos têm longa experiência no ensino superior, mesmo os

que ingressaram mais recentemente, pois já tinham inserção em outras Instituição de

Ensino Superior (IES).

A distribuição dos entrevistados pelas áreas específicas de formação, pode ser

observada abaixo: Física (2), Matemática (2), Biologia (1), História (2), Geografia (2),

Língua Portuguesa (3), Língua Estrangeira (1), Educação Física (1), Pedagogia (2). As

pedagogas foram entrevistadas a respeito da nova proposta de formação de professores

da Instituição.

Na instituição “D” foram entrevistados treze professores do curso de licenciatura

em Matemática. Desse total, 1 possui título de doutor, 9 são mestres, 2 cursam o

doutorado e 3 são especialistas. A maioria tem Mestrado em Educação Matemática

concluído na PUC-SP. Em relação ao tempo de trabalho no ensino superior como

formador, três professores atuam há mais de 20 , dois têm experiência acima de 10 anos

e oito abaixo de 10 anos. Quatro dos 13 professores tiveram experiência profissional

ligada exclusivamente à educação e os demais, em áreas próximas à de exatas.

2. O que os formadores dizem sobre os seus saberes

Cabe destacar as limitações de acessar os saberes docentes com base apenas no

que dizem os professores sobre seus conhecimentos e práticas. Contudo, as falas dos

formadores acerca da organização do seu trabalho, das ações e interações que

estruturam o seu fazer no âmbito dos cursos de licenciatura, possibilitaram identificar

algumas fontes a que recorrem para desenvolver suas atividades cotidianas e para fazer

face aos desafios enfrentados no exercício da docência.

Tal como aponta Tardif (2002, p. 36), a prática dos professores “integra

diferentes saberes, com os quais o corpo docente mantém diferentes relações”. Entre

eles, emergem nos depoimentos a formação inicial e contínua, o currículo, o

conhecimento do conteúdo, o conhecimento pedagógico, a experiência na profissão, a

cultura organizacional, a aprendizagem com os pares, dentre outras.

Em muitos depoimentos os professores retomam seus percursos formativos para

falar do trabalho docente que desenvolvem nos cursos de licenciatura, confirmando a

ideia de que os saberes que fundamentam o ato de ensinar são adquiridos num processo

longo de socialização profissional. Os professores valorizam a formação na graduação e

nos cursos de pós-graduação, resgatam seus processos formativos, os lugares e as

pessoas que marcaram suas trajetórias e que foram decisivos para o seu

desenvolvimento profissional, como explica um dos entrevistados:

[...] eu já tinha uma visão muita crítica em relação ao curso de licenciatura

que eu tive. Para fazer as disciplinas daqui, eu sentia uma distância muito

grande entre as questões que a gente enfrentava na sala de aula e questões

que a gente discutia na formação inicial. Então, de algum modo, o trabalho

que a gente faz aqui coloca a gente de frente para essas questões. Aqui, talvez

a gente tenha o privilégio de olhar pra nossa própria trajetória como aluno e

professor, e enxergar um pouco o que poderia ser. (Marcelo, Instituição C)

[...] a gente teve essa formação, eu tive um professor de Português que [...]

ensinou a gente
como alunos e como trabalhar aquele conteúdo, como

você vai trabalhar isso, o que é importante para o aluno saber. Hoje eu entro

numa sala e procuro fazer o mesmo. (Marlene, Instituição B)

Os depoimentos acima são representativos de dois aspectos que se destacam nas

falas dos formadores: por um lado, um olhar crítico sobre a própria trajetória de

formação, que os faz refletir a respeito das práticas formativas vividas em seus cursos

de graduação, levando-os a buscar novos saberes e práticas. Por outro lado, observa-se a

presença de uma memória afetiva, que traz de volta os mestres-modelo, uma referência

muito forte nas formas de ser e agir na formação de futuros professores.

A pós-graduação (mestrado e doutorado) também constitui uma importante fonte

de conhecimento para os professores formadores entrevistados:

[...] o fato de eu ter feito mestrado e doutorado me deu subsídio para ser uma

formadora melhor, melhorei muito minha fundamentação teórica. Esse

percurso foi fundamental para meu trabalho hoje, inclusive para orientar os

alunos e para inserir a pesquisa no meu trabalho (Betânia, Instituição B)

Este depoimento como os de muitos outros entrevistados revela que as

experiências vividas nos cursos de mestrado e doutorado forneceram subsídios valiosos

para exercer o papel de formador(a).

Outra importante fonte de saber, enfatizada pelos formadores, para o trabalho

nos cursos de licenciaturas foi a experiência na educação básica. Trata-se do

conhecimento profissional que foi legitimado no trabalho, como explica uma das

entrevistadas:

Como eu trabalhei muitos anos, trabalhei 30, 27 anos, até me aposentar [...]

acho que tive oportunidade de observar bem as questões dos alunos, as

dúvidas. Acho isso importante para ser professor de Licenciatura, por que

você consegue falar com os alunos, trabalhar as propostas com mais

propriedades, e eles percebem que a gente tem traquejo com a sala de aula,

traquejo com o aluno. Acho que essa experiência fala alto, na sala de aula

para os licenciados (Sueli, Instituição D)

Os depoimentos confirmam que os saberes que fundamentam o ato de ensinar

são adquiridos ao longo de um processo de socialização profissional durante o qual os

formadores recorrem a diferentes fontes. De acordo com Tardif (2002) esses saberes são

produzidos e modelados no e pelo trabalho e só podem ser compreendidos em íntima

relação com as situações e condicionantes desse trabalho.

Isto nos leva a considerar que as transformações no cenário social, cultural e

institucional que alteram o contexto de trabalho dos formadores, vem afetando e

transformando os seus saberes.

Nas falas dos entrevistados foi possível identificar muitas dessas transformações.

Uma delas refere-se à mudança no perfil do aluno das licenciaturas, o que tem exigido

novos investimentos por parte dos formadores, seja nos conteúdos, seja nas relações que

estabelecem com os alunos, seja nas estratégias de formação:

[...] os alunos se modificam muito a cada ano, a gente tem encontrado alunos

muito diferentes, com expectativas muito diferentes, geralmente muito

apressados, eles vêm buscar uma formação muito rápida, então, tem sido um

pouco difícil convencê-los da fundamentação para essas práticas. Chegam,

também, com uma dificuldade muito grande na leitura e na escrita. (Bruna,

Instituição B)

Esse relato é ilustrativo do que Tardif e Lessard (2005, p. 147) chamam de

“pragmatização dos conhecimentos, da formação e da cultura”, que mantém forte

relação com a constituição de uma “[...] sociedade totalmente orientada para o funcional

e o útil”. Para os autores, a hipótese é de que os saberes transmitidos pela escola se

orientam por uma lógica de mercado. Os autores também explicam que o estado atual

do ensino tem causas históricas e datadas, relacionadas à massificação e à generalização

do ensino, destinado à preparação de uma mão-de-obra qualificada para atender o

desenvolvimento econômico (LESSARD e TARDIF, 2008).

Se no depoimento da professora Bruna fica evidente o desafio de lidar com um

aluno que tem objetivos muito práticos e imediatistas e dificuldades na leitura e na

escrita, na instituição pública a preocupação parece ser ainda mais básica:

[...] o desafio mesmo é o de discutir com os alunos a própria perspectiva do

que é ser professor, de que esses alunos se convençam, de que ser professor é

importante. (Marcelo, Instituição C)

Vários docentes da instituição pública relataram o esforço empreendido para

convencer seus estudantes a não desistir do magistério, pois, segundo eles, os estudantes

ficam assustados com aquilo que observam nas escolas públicas, quando cumprem as

atividades de estágio e manifestam o desejo de abandonar a profissão. A situação

precária da escola pública brasileira afeta as opções dos licenciandos e os saberes e

práticas dos formadores.

As expectativas, os sentimentos e as características dos estudantes incidem

diretamente no trabalho dos formadores, demandam reflexões e novas práticas e, muitas

vezes, se traduzem em dilemas como descrito por um professor:

[...] eu dava textos para eles lerem e eles não conseguiam entender, eu ficava

desesperada, eu achava que tinha perdido a mão, não sabia mais dar aula. Eu

sempre conseguia fazer o salto de onde o aluno estava para uma leitura de

texto acadêmico, eu tinha sucesso, e ali eu tive que ficar o semestre inteiro

trabalhando leitura com eles, e eles ainda não sabiam, então, eu pedi

autorização para a chefia para não seguir a apostila, resolvi ficar com essa

turma até o final do ano fazendo só leitura, porque eles não vão sair do

primeiro ano sem saber ler, eles tem que saber ler, como é que eles vão para o

segundo ano sem saber ler? (Maitê, Instituição B)

O depoimento da professora Maitê trata de uma situação extrema, mas a queixa

sobre as dificuldades de leitura e de produção de textos foi repetida por muitos

formadores, como as que são reproduzidas abaixo:

Infelizmente acho que o maior desafio é a dificuldade de leitura, a

dificuldade de escrita dos nossos alunos. Nós temos excelentes alunos, têm

alunos bons, alunos que escrevem, que perguntam. Mas tem uma quantidade

de alunos que a gente percebe que foi passando, passando, que infelizmente

mal escreve, que tem uma interpretação muito ruim e tem uma dificuldade

imensa. (Rita de Cassia, Instituição A)

Eu acho que um grande desafio é o aluno que chega no ensino superior sem

gostar de ler, então ele acha que pode fazer a faculdade, fazer a licenciatura

só anotando algumas coisas, que são passadas na lousa sem buscar

absolutamente nada e se não lê, conseqüentemente, não consegue escrever,

tem muita dificuldade de escrita. (Cláudia, Instituição B)

Esse tipo de dificuldade, bem como a tarefa de motivar os alunos para o

exercício da docência, são situações do contexto pedagógico que promovem

sentimentos e necessidades diversas e que podem se constituir em fonte de insatisfação,

mas também mobilizam o professor a reestruturar seus saberes e desenvolver estratégias

que atendam a nova realidade com a qual se defrontam, o que exige re-significar

conceitos, princípios e práticas próprios ao papel de formador e constitutivos da sua

identidade.

3. Condições de trabalho

Os desafios apontados pelos professores formadores em relação ao trabalho

desenvolvido põem em questão as condições concretas para enfrentá-los. A

aproximação com os dados fornecidos pelos professores das diferentes instituições

revelou que as condições de trabalho embora diferenciadas não se esgotam nas questões

estruturais ainda que afetem diretamente a docência. Sabe-se que tais aspectos, embora

nem sempre possam ser superados, compõem o quadro da cultura institucional.

A perspectiva de Perez-Gómes (2001) em relação à cultura institucional

possibilitou ampliar a análise aqui realizada. O autor toma o conceito de cultura como

pano de fundo, pois a considera como resultado de construção social, contingente às

condições materiais, sociais e espirituais dentro de um espaço e um tempo. Ele situa a

cultura institucional no entendimento das relações entre os aspectos macro e micro,

entre a política educativa e suas correspondências nas interações peculiares que definem

a vida da escola. O autor afirma que o desenvolvimento institucional se encontra

intimamente ligado ao desenvolvimento humano e profissional das pessoas que vivem a

instituição e vice-versa e para isso “é imprescindível compreender a dinâmica interativa

entre as características das estruturas organizativas e as atitudes, os interesses, os papéis

e os comportamentos dos indivíduos e do grupo” (PEREZ-GÓMES 2001, p.132).

Neste sentido, pode-se constatar pelos depoimentos que, independente da

estrutura organizativa, as novas demandas colocadas aos formadores têm implicado uma

diversidade de tarefas e intensificação do trabalho. Esse aspecto comum e recorrente nas

várias instituições pesquisadas tem provocado um isolamento profissional e cria

limitações nos tempos e espaços para a comunicação e o diálogo. Essas condições do

exercício profissional são destacadas por uma das entrevistadas e indicam que a

complexificação das tarefas se agrava pela ausência de espaços coletivos de discussão:

[...] primeiro eu acho que a quantidade de trabalho de professor universitário

é uma carga absurda, além de tudo que a gente tem que preparar aula e tal, é

um monte de atribuição, uma papelada que a gente tem que preencher [...]

segunda coisa que eu acho, faltam reuniões, faltam reuniões em que a gente

possa trocar esse aspecto pedagógico e, às vezes, a gente não tem esses

momentos de encontro e nessas horas a gente se perde e não sabe o que o

colega está fazendo. (Maitê, Instituição B)

Não só nas instituições comunitárias, mas também na pública os formadores

lamentaram a existência de uma cultura que reforça o trabalho solitário, como é

dramaticamente expresso por uma das entrevistadas:

[...] essa questão do trabalho solitário individual é que acaba criando uma

cultura, também – quer dizer, acaba criando não, porque é essa cultura que

está criada. Desse trabalho solitário, individual onde ninguém sabe quem está

pesquisando o quê; está fazendo o quê. E as pessoas, eu sinto uma coisa

muito estranha, porque nunca me passou pela cabeça e muitas coisas que eu

fui percebendo. As pessoas não querem dizer o que estão fazendo; as pessoas

não têm confiança no outro. Há uma cultura, e eu acho que isso também se

estabelece. Esta competição que para mim é uma coisa muito arraigada na

Universidade que: ninguém diz para ninguém o que está fazendo. (Mara,

Instituição C).

Na faculdade privada também não há um projeto institucional de trabalho

coletivo, mas os formadores se reúnem por iniciativa própria, já que tinham uma

aproximação anterior, pois cursaram o mestrado numa mesma instituição de pósgraduação.

A área de especialização – matemática- é comum, o que provavelmente

facilita a comunicação e a troca de experiência, como explica uma das entrevistadas:

Aqui eu recorro normalmente ao Antonio. Eu tenho também discutido e

discuto com outro professor daqui que é o professor Raí, temos muita

afinidade. Na Faculdade Y eu não tenho a quem recorrer, lá eu estou sozinha

[...] agora quando são coisas mais simples, eu acabo resolvendo por mim

mesma, ou discutindo com os colegas daqui, por que lá é mais complicado, o

contato com os outros professores é mais complicado, porque os horários não

batem ( Sueli, Instituição D).

É importante destacar que o individualismo docente é uma questão que vem

sendo debatida há bastante tempo e que envolve fatores culturais. Tardif e Lessard

(2005, 187) explicam que embora “[...] os professores colaborem uns com os outros,

tal colaboração não ultrapassa a porta das classes: isso significa que o essencial do

trabalho docente é realizado individualmente”. Os autores questionam e discutem

“[...] se o individualismo dos professores está na origem da falta do espírito de

equipe ou se é a falta de um projeto coletivo que está na origem desse

individualismo” (p. 188).

Autores como Fanfani (2007), Tedesco (2006) e Dussel (2006) têm argumentado

que não se deve desprezar a importância do plano interativo e do coletivo para o

enfrentamento dos desafios contemporâneos, ou seja, melhorar a qualidade da profissão

e da profissionalidade dos docentes não é e nem deve ser uma responsabilidade

individual. As formas de exercer a profissão e o compromisso social da educação “[...]

dejan de ser individuales y empiezan a ser institucionales” (TEDESCO, 2006, p. 335).

Outro aspecto comum nas instituições pesquisadas refere-se à pressão

institucional e governamental para produzir e publicar. Isso implica o desenvolvimento

de projetos de pesquisa, mas as instituições nem sempre oferecem as condições para sua

efetivação.

Os professores das instituições comunitárias expressaram seu desejo de

desenvolver projetos de pesquisas. Disseram que embora sejam cobrados pelas

instituições, raramente conseguem incluir horas de pesquisa em seu contrato de

trabalho. Na Instituição B apenas três professores, de carreira realizam pesquisas.

Na instituição pública, as horas de pesquisa estão previstas no plano de carreira

do professor, mesmo que as condições não sejam sempre as mais favoráveis, conforme

destacou uma professora, que havia ingressado há poucos anos na instituição:

[...]eu tenho um projeto que gostaria de desenvolver, não tenho quem me

ajude; não tenho financiamento. Pedi financiamento para o INEP; eu sou

professora que começou agora; não tenho nenhum projeto financiado; não

consegui financiamento do INEP; preciso pagar uma pessoa para me ajudar a

fazer as coisas... Quer dizer, como é que isso? (Mara, Instituição C)

Essa condição para pesquisa indicada pela professora soma-se à cobrança por

publicações, realidade vivida pelos professores que também atuam em cursos de pósgraduação

e que precisam ajudar a manter o nível do Programa:

Está muito ruim. Agora a estrutura da Universidade, com essa pressão de números de

artigos por ano, todo esse critério de avaliação (Roberta, Instituição C).

Além da preparação das aulas, correções, orientação de alunos, realização de

projetos de extensão com a comunidade, há exigência de que os professores publiquem

artigos, livros e textos completos em eventos científicos. Sabe-se que essa demanda ao

trabalho do professor não é recente e que a produção científica é que alimenta os

avanços do conhecimento, mas a composição de indicadores e pontuação em seu

currículo tem imputado uma nova condição de “produção de massa” a estes

profissionais. Há que se ficar atento para essa nova condição docente dos professores do

ensino superior, pois a adoção de critérios exclusivamente quantitativos na avaliação da

produção desses profissionais tem sido apontada como um dos fatores da precarização

do seu trabalho (BOSI, 2006).

Mesmo considerando que essa nova condição docente tem feito parte das

instituições públicas e privadas, as condições de trabalho na universidade pública, de

uma forma geral, apresentam-se mais satisfatórias. Um aspecto que contribui para isso é

a estabilidade na carreira.

Os professores das instituições comunitárias destacam que a falta de um plano

de carreira adequando ensino, pesquisa e extensão gera instabilidade e insegurança. O

contrato de trabalho é baseado no número de horas trabalhadas. A condição de “horista”

também se repete na instituição privada. Os professores se ressentem dessa condição e

esperam empenho da instituição:

Até vim para a universidade pensando nisso, em pesquisa, essas coisas. Então

eu pensei assim: puxa depois do mestrado, se eu não tivesse tantas horas por

semana para desenvolver projetos de pesquisa, orientação de PIBIC, essas

coisas assim. Mas, infelizmente ainda a Instituição[...] não dá essa estrutura,

quer dizer, você tem que batalhar em cima de um projeto, torcer para que ele

seja aprovado e aquela coisa toda. Dois anos seguidos eu tenho apresentado

projetos de pesquisa, agora como extensão, mas, no final do ano acaba vindo

aquela explicação,
o projeto é bom é viável, mas, por falta de verba, ai aquela

história, (Antonio, Instituição A)

Também a situação de desgaste provocada por essa condição é retratada por uma

das professoras da instituição B:

[...] a jornada de trabalho é puxada [...] a gente percebeu que os professores

chegavam no final do ano muito cansados, porque todos nós estávamos com

uma jornada de 40 horas e aumentou muito o número de alunos e todos nós,

professores, tínhamos 40 horas de trabalho e tendo que orientar TCC como

voluntários porque senão não tinha quem orientar os TCCs, grupo de estudo

também quem tinha era voluntário. Logo, a questão da pesquisa também fica

comprometida, fica porque veja bem, você trabalhar 40 horas, você orientar

TCC, quer dizer, você chega em casa e não tem pique, é cansativo, não é fácil

não, esse ano foi um ano muito difícil. (Elaine, Instituição B).

Embora os professores formadores da faculdade privada também tenham um

contrato de trabalho como “horista”, não reclamam de suas condições de trabalho e

cumprem horários extras. Não têm plano de carreira e, como a maioria dos professores

de IES privadas, trabalham em média em três instituições. Causou estranhamento o fato

de não terem reclamado dessa situação e de considerá-la como inerente à profissão.

Acredita-se que essa condição da docência já se naturalizou, o que é extremamente

preocupante.

Considerações finais

Os depoimentos revelam, de modo geral, o empenho dos formadores em

desenvolver um trabalho consistente em sala de aula, muito embora encontrem grandes

desafios para fazer face às mudanças no perfil sócio-cultural dos alunos que chegam às

licenciaturas. Alunos com interesses muito imediatistas e com novas necessidades de

aprendizagem, o que tem levado os formadores a reverem os próprios saberes, buscando

adequar suas práticas para dar conta dessas novas demandas.

Esse movimento de reconstrução dos saberes e práticas restringe-se, no entanto,

ao âmbito das iniciativas individuais dos professores. Os dados indicam que as

instituições formadoras não incorporam esses desafios em seus projetos institucionais,

nem oferecem condições para a construção de um espaço coletivo de trabalho que

favoreça a reflexão em torno das novas necessidades formativas.

O que se destaca nos depoimentos é um quadro de preocupações e angústias, que

reflete a constatação de que valores, saberes e comportamentos que constituem

referências essenciais no trabalho dos formadores, estão sendo transformados. Nesse

quadro fica bastante nítida a complexidade do trabalho dos formadores de professores,

ao mesmo tempo em que se tornam mais difíceis e instáveis as suas condições de

exercício profissional, gerando inúmeros desafios sobre como enfrentar as profundas

mudanças nas relações e contextos escolares.

A contradição entre as concepções de formação construídas em sua trajetória

profissional e as condições concretas de exercício da docência nas instituições

formadoras afeta a identidade profissional dos docentes, gerando insatisfação e

desconforto pelo não cumprimento de seu mandato de formador.

Discutindo a questão das identidades, Dubar (2006, p. 15) observa que as

transformações na sociedade contemporânea afetam “ao mesmo tempo os

comportamentos econômicos, as relações sociais e as subjetividades individuais”.

Segundo o autor, as mudanças em curso, que envolvem as instituições, o mundo do

trabalho e os processos de formação, as relações entre gerações e os vínculos sociais,

levam à desestabilização das referências e sistemas simbólicos partilhados pelos grupos

e indivíduos, colocando em questão as subjetividades e as configurações identitárias. As

crises de identidade emergem quando as antigas configurações já não são suficientes

“para se definir, nem para definir os outros, para se orientar, compreender o mundo e,

sobretudo, projectar-se no futuro” (Idem, p.188).

Nesse sentido, entendemos que as mudanças atuais alteram não apenas o

contexto do trabalho docente, mas o próprio professor. Poderíamos considerar, com

base nas constatações da pesquisa realizada, que estamos diante de uma crise das

identidades dos formadores, que se articula a uma crise nos modelos de formação de

professores.

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